É do conhecimento público que, perante demonstrações sanguinárias e terroristas que vulgarmente gozam do nome de tauromaquia, todas e cada uma das palavras que expresso são do mais preciso desagrado e luto: pelos animais e por quem os condena na arena, diante de várias centenas ou milhares de homens e mulheres que transportam nas suas mentes depravações graves que deveriam ser remetidas, sem excepção feita a nenhum deles, ao médico psiquiatra mais especialista, por forma a reduzir o risco de mais animais sofrerem em público ou longe dele, ou mesmo de morrerem (o triste destino que se guarda à grande maioria, segundo aquilo em que eu acredito.) Nem as minhas origens nem muitos bons momentos que desfrutei na cidade onde me viram nascer hão-de, a curto ou longo prazo, alterar estas minhas convicções de que o mundo seria bem melhor sem julgamentos e execuções primárias e em série de animais, e que mesmo esta nossa região do Ribatejo faria brilhar mais o seu nome se este não carregase o fardo de todos os crimes que as suas tradições já induziram os seus conterrâneos fervorosos a cometer.
Passa pouco mais de uma semana desde que regressei de um breve passeio, num muito confortável comboio que percorre o litoral português entre as duas grandes áreas urbanas portuguesas. Do Porto, esse comboio com facilidade me trouxe a Vila Franca de Xira, onde já o meu pai me esperava e à minha mãe para que viéssemos para aqui, para o nosso lar. Não exagero em larga medida se afirmo, o meu rosto bastante sério e o meu tom bastante sincero, que o grande turismo do planeta confluía, àquela hora, todo ele nessa cidade aqui tão próxima. E o motivo, oposto ao que eu desejava observar pela multidão tão vasta, era dos piores e dos mais lógicos numa cidade como aquela: festas tauromáquicas. Podia, segundo tantas possibilidades que afiguram a cada momento, haver encerrado os olhos para evitar o confronto com tamanha atrocidade e distinção entre a euforia do Homem e o sofrer aguçado e certo de tantos animais. Apesar dessa possibilidade que era a meu favor, preferi manter a minha visão na direcção das pessoas que se ajuntavam a aguardar as largadas, pensando muito cá dentro que "o mundo não tem melhorado, não tem melhorado."
Dias antes deste episódio, um dia antes da partida para esse breve passeio pelo Norte do país, eu mesmo olhei um touro e todo o espectáculo e polémica a que estes animais, sempre e sempre, dão origem onde quer que surjam. Não me refiro a bois daqueles que falei previamente. Refiro-me à postura de touro em que toda a imprensa e comunicação social gravou, em diversos suportes visuais, o antigo ministro da economia. A sua demissão revelar-se-ia um acontecimento na sequência directa deste incidente, sobre o qual reflecti mais do que muitos. A generalidade de pessoas considerou tal atrevimento uma outra demonstração da incorrecção e indisciplina dos ministros e deputados, como já houve tantas outras e as quais se parecem repetir sempre que o chão está por baixo de nós. Porém, o meu entendimento da questão aprofunda-se mais do que essas considerações que não condeno, e vai de encontro à opinião de um crítico, cujo nome desconheço, que fez públicas as suas palavras de que tal sucesso na Assembleia da República - o local onde se faz política em Portugal - demonstra apenas e tão simplesmente o pouquíssimo respeito que os políticos nutrem e expressam pela população do seu país.
Muito concretamente, as cadeiras daquela enorme sala não são, e por uma razão própria não o são, sequer semelhantes aos bancos em que nos sentamos nos jardins públicos ou aos sofás que dispomos nas salas das nossas habitações. Os primeiros são assentos que todos nós podemos usar, embora sempre para os mesmos fins, que são os de sentar, ou em alguns casos excepcionais poderão servir igualmente para deitar o corpo e descansar. Os segundos são pessoais e quase intransmissíveis, encontram-se na nossa casa, distante dos olhares gerais e de desconhecidos, adquiridos pelo poder quase infinito do dinheiro. Os assentos do parlamento são muito dissonantes destes: a autorização de neles se sentar é concedida pelo voto de confiança do eleitorado de quem neles se passa a ver sentado: nunca é demasiado recordar que os deputados não nasceram com o privilégio de discursar ou de gastar parte dos seus dias numa sala de tal maneira sumptuosa. Eles ganharam o seu trabalho nessa sala uma vez que Portugal, como um país não tão pequeno como tipicamente se diz, é ocupado por uma população muito superior à capacidade dessa sala, o que faz com que os políticos tenham de ser eleitos pelos cidadãos e passem a representar todos aqueles que votaram na sua cor política. É então óbvio que quando o ministro da economia (o antigo e felizmente antigo) ofendeu o nosso deputado do Partido Comunista, esse antigo ministro estava a sugerir que todos os comunistas portugueses têm aquele par de cornos. Se tivesse sugerido tal coisa ao deputado Bernardino Soares fora daquela sala de debates, então os comunistas portugueses nada teriam que ver com esse gesto ofensivo. Contudo, no momento em que os deputados entram naquele espaço público e de responsabilidade, despem a sua vida pessoal e vestem os anseios, as preocupações, as ideias e as vontades daqueles que, no seu país, estão de acordo com a ideologia defendida. É então por este forte motivo que apelo a todos os portugueses jovens e responsáveis a que ingressem na vida política, agora não apenas através do voto consciente, mas também através de propostas de representar com lealdade todos os portugueses que merecem maior respeito por parte daqueles que apenas são empregados porque nós votámos para que isso sucedesse, e que nas nossas costas tantas vezes atentam contra os nossos próprios empregos. Jovens, façam-se representar ou representem. Se algum bem aconteceu no mundo desde a sua criação, ele não se inventou a si próprio, antes foi concebido pela vontade e estímulo de quem acreditou na mudança.
Quanto aos políticos, lembrem-se bem do que vos digo de seguida (ainda que saiba que nenhum chegará a este blogue): as batalhas verbais com que atacam os deputados de cores partidárias diferentes são a representação de uma proposta de guerra civil à população portuguesa. No momento em que todos os portugueses se atacarem entre si com palavras cruéis como as que vocês usam nos vossos debates, então poderão usá-las. Se o país pretende a paz, está nas vossas mãos manter a paz no parlamento: ouvirem-se uns aos outros, responder a cada proposta e opinião como se houvesse amizade a ligar-vos, chegar a consensos que representem as vontades dos portugueses e que resolvam os problemas com que estes lidam diariamente, numa labuta que poucos ou nenhuns merecem conhecer.
Camarada Fratírio Telmo
É uma questão de bois, esta.
ResponderEliminarSim, de facto a tauromaquia é uma tradição, de grande sucesso nesta nossa região, que tenho sempre reprovado. No máximo aprovo os forcados...aí quem fica sem tomates não é o touro, mas o insensato que o enfrenta. De resto, é desumano. Continuo a achar que os animais não devem ser tratados como objecto de divertimento, quando o sofrimento e a morte dos mesmos está em jogo.
Quanto aos outros bois...bem disseste tudo. Eu estava fora de Portugal quando se deu tal incidente. Quando cheguei e me contaram acerca de tal, fiquei alarmado com a falta de respeito que havia existido ali, no sítio onde se decide o país. TÊm de ser os filhos a educar os pais, já que os senhores da política não dão o exemplo aos seus cidadãos. Devemos ser nós a fazê-lo então.
Belo artigo