21 julho, 2009

O Arco-Iris

Houve uma altura na minha vida em que quis caminhar sobre o arco-iris. Sabia lá que aquilo era apenas luz impossível de tocar...

Estranho que o sinal de bonança e esperança maior, este espectro de todas as cores, não seja susceptível de toque. Devia poder-se tocar naquilo que retira a chuva dos nossos dias.

Hoje olho pela minha janela, e limito-me a vê-lo de vez em quando, depois das chuvas maiores.
Apesar de tudo, sei que, mesmo que caiam lágrimas dos céus, não haverá dilúvio.
Velho de Alfama

19 julho, 2009

A Tela

Já fiz muita coisa na vida. Felizmente tive pais que me dessem o que precisava quando era novo. Quando comecei a crescer, eu me sustentava. E nunca achei que o lazer fosse algo de ricos para ricos, ou apenas para gente ociosa. A Arte é das coisas que me fascinou sempre.

A certa altura quis pintar. Ainda trabalhei uns meses para comprar a minha primeira tela em branco, que esperava ansiosamente que eu a pintasse. As tintas já eu as tinha, porque já se nasce com elas.

Aluguei um atelier perto da minha casa, em Alfama. Era uma casinha por fora branca, por dentro igual ao que era cá fora. Estava vazia, não custou nada sequer, o senhorio ofereceu-ma enquanto precisasse dela, disse que podia fazer tudo o que quisesse lá, tinha liberdade. Levei a tela, levei as tintas, e comecei a fazer uns riscos na tela. O sonho estava a concretizar-se. Tanto tempo à espera de poder dar um ar de graça àquela tela que eu havera obtido, e que precisava de cor.
Porém, uns riscos depois, estava farto. A tela ficava cada vez mais bela, mas eu não estava satisfeito. Então, olhei em volta, e vi uma parede branca.

A tela podia esperar. Ela nunca fugiria! E então comecei a pintar a parede. Por lá fiz os mais belos desenhos da minha vida, empreguei toda a minha Arte naquelas paredes nuas, que não sendo minhas (era alugado, o improvisado atelier), me davam mais pulso venéreo para pintar. Para escrever com o pincel.

Passado um tempo, já todos aqueles cantos e recantos da antiga morada de alguém estavam coloridos e belos e cheios de Arte. Pintei também o chão. E a tela aguardava, sempre me observando, sempre lá para quando eu a quisesse pintar.

Eu dormia na minha casa e uma noite, quando eu estava longe do atelier, pensando se pintaria também o tecto e o chão deste, o atelier ruiu. Desabou. Não sei porquê, a noite estava calma.
Quando lá cheguei de manhã, aquelas paredes que eu pintava com tanta Arte eram pó, e não havia mais cor, só cinzento. Era no meio das ruínas que estavam os únicos pingos de cor da cena. Os pequenos riscos que eu tinha feito na tela. A tela permanecia lá, fiel a mim, sempre à minha espera. Peguei nela. Quis fugir daquele sítio, e andei uns metros até encontrar o conforto da minha casa. Coloquei a tela na minha salinha, mesmo ao lado do sofá onde em me sentava sempre. E ela ficou lá sempre à espera que eu a pintasse. Mas eu nunca pintei. De vez em quando pintava em madeira, pintava onde fosse que pintasse. Era a minha Arte, pintar no alheio.

Mas o meu Amor era aquela tela. Se calhar foi por isso que nunca pintei nela, pelo menos mais que alguns riscos coloridos.

Agora que sou velho e a Arte de pintar se foi, arrependo-me de nunca ter pintado aquela tela, que sempre esperou pela minha pincelada dedicada. Eu apenas me dediquei a guardá-la na minha casa, mas a cor que predominou nela foi sempre o branco. Não soube canalizar a minha Arte. Mas no fundo, ninguém sabe gerir a Arte como deve ser. O Amor sabe-se sempre, a Arte não.
Velho de Alfama

18 julho, 2009

Marco

Impressionante. Verdadeiramente impressionante…
Não tenho melhores palavras para descrever esta paisagem. As montanhas que me rodeiam parecem saídas de postais. O verde que se encontra ao meu nível e abaixo de mim, com as ervas rastejantes e as árvores ondulantes. E tanto verde diferente, a esvoaçar e a ondular! O ocasional castanho das típicas casas alpinas, nas suas pequenas aldeias ou rara casinha isolada… Ah! E o som das cascatas, que faz a minha alma voar!
O branco que sobressai por cima de mim é simplesmente magnífico! Chega a ter formas, como borboletas. Enquanto a própria montanha desafia o céu!
O Monte Branco, lá na sua altitude, reclama o seu título de maior gigante europeu. O nosso Atlas.
Seria de esperar que o avassalador peso das montanhas que me rodeiam me caísse nos ombros e me vergasse, mas não, faz-me sentir mais livre. Sinto que sou o Rei do Mundo, que sou imortal e que tudo posso! Verdadeiramente impressionante…
Faz-me sentir mais intimo comigo mesmo. Eu, Marco, com os meus 24 anos, meio Inglês meio Italiano, eterno viajante do Mundo!
Mas quero descobrir mais! Aqui já vi o que tinha a ver. Hei-de voltar, os Alpes Italianos são algo que merece que volte. Mas agora não, agora vou descobrir mais.
Quero ir descobrir Portugal, porque não? Mal sei dizer uma frase em Português mas a curiosidade espicaça-me! Como será?
Sim. Irei amanhã mesmo comprar o bilhete para Lisboa!

Só passou uma semana e já começo a perceber algum Português. O saber Italiano é capaz de ter ajudado um pouco…
Hoje aventurei-me e vim “beber a bica à Brasileira”. Não fazia ideia do que era mas ouvi um Português falar nisso perto do hotel, e pareceu-me boa ideia experimentar algo mais Português. Claro que tive de pedir indicações sobre como o fazer e o que era. Parece que “bica” é café! E esta?
“A Brasileira” tem um ambiente mais sério do que o que eu gosto, mas mais simpático que o hotel. Tem uma estátua de um senhor à porta, que pelo que percebi é um escritor Português. “Fernando Pessoa”, parece-me. Pergunto-me o que terá a ver com “A Brasileira”…
Bem, mas esta zona é linda! Chama-se “baixa”, e é encantadora! Tem uma rua principal, “Rua Augusta” segundo o que li, que é deslumbrante. Os edifícios são claramente antigos, mas muito bem arranjadinhos. Os cafés são giríssimos, e gosto muito dos artistas que há aqui!
Cheguei a ver o espectáculo de um mágico! Não era Português, mas ainda assim foi muito giro e muita gente se reuniu a ver.
Já decidi e amanhã vou explorar melhor esta zona. Que descoberta magnifica!
Marco

15 julho, 2009

Cumprir os desejos

Obrigado por me teres chamado. Só o chamamento leva à ressurreição de um homem que vive através dos outros, sem deixar de ser ele mesmo. E é sempre um prazer ouvir esta voz que pede ajuda, meu pupilo, meu mestre.

Conheci-te um dia por acaso, quando escolheste como teu caminho a nobre arte do teatro. E fui parar às tuas mãos. Que nem barro, moldaste-me a ti. Mas não me mudaste. Quem te mudou fui eu.

Sei-te grato pelos meus ensinamentos. Aliás, que mais poderia eu fazer senão ensinar-te. Nasci há mais de um século atrás. É minha obrigação ter alguma sabedoria de velho. Porém não sou como os outros velhos. O renascer em ti rejuvenesceu-me. Fisicamente, psicologicamente, almamente. Espiritualmente não. Isso é coisa de gente morta.
Este renovar dos poros, do sangue e das ideias transportou-me do 19º século para este actual. Não fazia sentido um renascido pelo palco se manter em tempos tão antigos. Deixem-me ser agora, por favor. Quero ter as palavras do hoje, ver o mundo de hoje, ser hoje. O passado é apenas exemplo e experiência, não realidade. E nisto te agradeço, que me fazes viver mais que um ser humano comum. Sou um privilegiado. Tanto enquanto ser humano que muito dura, como enquanto personagem, que me trataste como nenhuma outra. Talvez não tenha sido a tua maior realização, mas fui o teu maior passo.

Passeemos juntos. Aprecio tanto trocar saberes contigo. E agora que precisas de mim, aqui estou. Sou como o génio da lâmpada. Só que não concedo desejos. Tenho-os.

E é isso que tanto me aproxima de ti. Somos gente com desejo de boa mudança e permanência não tola, tudo dirigido para o cenário utópico da vida e sociedade. Queremos que isto seja perfeito, quando a imperfeição é a nossa cicatriz. Cicatriz que nem as aparências curam (e acredita que tanto no meu século, como no teu, estas existiram e existem, respectivamente. As pessoas não mudam.). Cicatriz incurável, mas que tem de ser desinfectada.

Lutemos juntos. Através das palavras e acções. Do pensamento. Através do mais que podemos. E por favor, junta os teus a esta batalha pseudo-intelectual e prática , que eu não posso juntar os meus. Os antepassados do hoje estão mortos. E antes que isso a nós nos aconteça, façamos algo juntos.

A morte chega cedo e a vida é breve. E tu não és como eu, uma personagem de teatro pronta a ser ressuscitada por um actor amador dedicado. És efémero.

Chegou a hora, meu pupilo, meu mestre.

Leonardo Goring

O Horror

Mato-os?

Mutilo-os, dilacero-os, firo-os, mortifico-os, esgano-os, esventro-os, desmembro-os, ABATO-OS como os animais que são?! Prostro-os, amarro-os, amordaço-os, enforco-os, bato-lhes, maltrato-os, corto-os, arranco-lhes as unhas, queimo-os, parto-lhes tudo o que há para partir, sangro-os até ficarem EXANGUES?!


Não.

Porquê?

É crime.

E o que eles fizeram não?

Sim.

Então? Mutilo-me? Descarrego na primeira pessoa que aparecer?!

Não são os culpados.

Então que faço desta ira que se apodera de mim ao pensar no maior crime que existe? Roubaram a inocência, a infância, a virgindade, o amor! A barbaridade dos seus actos não deixa qualquer espaço a perdão!

Então porque aparecem tantos casos assim? Que aconteceu à bondade e à humanidade do ser humano? Como pode Deus ter deixado espaço no Homem para tais aberrações acontecerem?

Como pode a pedofilia ser uma realidade? Como pode na maioria dos casos o culpado não ser punido devidamente?

É impressionante a forma como me contorço, como as minhas veias e músculos ficam salientes, como salivo. A minha face: contorcida num espasmo de horror, passando rapidamente para uma expressão animalesca. Os meus olhos: vermelhos. As minhas sobrancelhas: apertadas. Os lábios: arreganhados, mostrando ameaçadoramente os dentes. As narinas: dilatadas, permitindo uma melhor oxigenação, pronto para o ataque! A minha alma: PURA RAIVA!

Mas que posso fazer? Meu Deus, que posso fazer?!

Sou só eu e o meu charuto. Nestas alturas nem o meu gato se aproxima de mim.

Só eu e o meu charuto…

Virgílio Corvo

14 julho, 2009

Virgílio Corvo

Encontro-me actualmente sentado na minha poltrona e só encontro a saúde mental quando fumo o meu charuto cubano. Até ao momento em que a doce névoa branca me cobre o rosto, sinto-me revoltado e ateado de uma raiva que me transcende, que engloba todo o antro de porcos imundos que só querem encher os seus bolsos e a vagina de outrem. Sinto os meus esforços de contacto humano como vãos e sem sentido, quando nada me responde e me respeita, e me cospem e atiram para uma valeta imunda, repleta de vermes rastejantes que consomem abruptamente o cadáver de outro sem-vida. Eu sou Virgílio Corvo, se bem que nestas alturas, quem pode dizer com certeza quem é?

O meu franzino ser nauseado fica ao relembrar-se de todas as franquias que se achegam aos afortunados que paupérrimos de espírito são, e que por missarem frequentemente sofrem de grave caso de metamorfopsia, pois ao se verem ao espelho pensam ver o Papa. Pecam, confessam, e livres de culpa estão. Enojo-me com tais Pilates! A bílis que por mim se liberta regozija com sentimentos tais e todo o corpo me arde, contorcendo-me e fechando os olhos procurando esquecer-me de tais males. Quando os abro, no mesmo sítio me encontro e o fragor que ininterruptamente me atinge liberta pensamentos pecaminosamente iracundos na minha alma. Para o quinto círculo do Inferno de Dante irei, ocorre-me. Mas de facto poucos serão os círculos dos quais não sou merecedor…

Sou descabelado, desconjuntado, descrente, desconcorde, desconsolado, mas nunca desconcordante ou desconexo! Tudo sou, mas cumpro o que sou e o que o que acredito me ordena ser. Não posso com os energúmenos que apelam a doutrinas igualitárias, enquanto agem de forma elitista! Não nos encontramos num território irredento, sabemos bem as fronteiras que delimitam o racional, e as que delimitam o humano, e sabemos bem de que lado da fronteira se encontram estas atitudes: do racional inumano!

Eles querem tudo! Eles comem tudo! Eles comem o que defecam para que nada sobre para outros! E nem capazes de o admitir são… Escondem-se atrás de Quem-Tudo-Pode e confessam-lhes os seus pecados, sentindo-se seguros, mesmo quando o seu Livro Sagrado condena às mais vivas chamas do Inferno aquilo que eles personificam.

Por não compreender o incompreensível execrando na vida sou. Tanto tenho a dizer, tanto que quero falar, que esta não será a ultima vez que ouvirão a minha inaudível voz!
Não pretendendo exacerbar opiniões, mas alertar para o intolerável, esta é a minha exegese.

Virgílio Corvo

Jovens...

Há alguns dias abordaram-me na rua com o propósito de me entregar um folheto informativo sobre a violência doméstica, folheto este que destacava a violência em namoros entre jovens. Este folheto apresentava vários dados e esclarecia substancialmente certos mitos em relação ao namoro, foi ao ler esta última categoria que me perguntei, o que raio é que se passa aqui? Não percebo como vivemos nesta sociedade tão aberta à divulgação e à informação e a maioria dos jovens pensam que tem de se submeter para que a sua relação continue, ou que um empurrão não faz mal ou ainda que mais vale terem uma relação em que são vitimas do que estarem sozinhos. Um em que cada quatro jovens em Portugal já foi vítima de violência no namoro.
Sinceramente não entendo. Talvez analisando a nossa sociedade, reflectindo sobres estes dados e as informações do panfleto pode ser que perceba o porquê de existir esta realidade. Os jovens estão cada vez mais a criar uma vida de desperdício para si próprios onde o abuso de drogas, álcool e sexo prematuro, descontrolado e desprotegido em conjunto com uma mente de criança, pois são isso que pessoas com 13 ou 15 anos são, resulta numa mistura explosiva que tem como consequências mais comportamentos de risco e atitudes loucas formando um ciclo vicioso. Mas estes comportamentos não aparecem como por magia na cabeça destes jovens, acuso a sociedade de tal feito.
Acuso os pais negligentes, aqueles que se esquecem de se preocupar com a vida dos filhos, com aquilo que eles fazem, com aquilo que eles vêm como certo, acuso a cada vez maior promoção de atitudes irracionais e estúpidas como é um exemplo bem claro a série juvenil morangos com açúcar onde anos após anos fomenta violência, abusos de substâncias e relações sexuais entre pessoas que mal se acabam de conhecer… Acuso o que quer que seja que transforme crianças em animas loucos e irresponsáveis que tentam ou que são forçados a ter atitudes adultas, que acabam sempre por ter um resultado negativo.

Acusações à parte, gostava de relembrar o propósito de ter abordado a violência doméstica entre jovens neste texto, este é um assunto deveras importante é um dos maiores problemas das sociedades actuais e é necessário que todos reflictam, é necessário que exista uma consciência.
Melinda

13 julho, 2009

Quem nos representa

É do conhecimento público que, perante demonstrações sanguinárias e terroristas que vulgarmente gozam do nome de tauromaquia, todas e cada uma das palavras que expresso são do mais preciso desagrado e luto: pelos animais e por quem os condena na arena, diante de várias centenas ou milhares de homens e mulheres que transportam nas suas mentes depravações graves que deveriam ser remetidas, sem excepção feita a nenhum deles, ao médico psiquiatra mais especialista, por forma a reduzir o risco de mais animais sofrerem em público ou longe dele, ou mesmo de morrerem (o triste destino que se guarda à grande maioria, segundo aquilo em que eu acredito.) Nem as minhas origens nem muitos bons momentos que desfrutei na cidade onde me viram nascer hão-de, a curto ou longo prazo, alterar estas minhas convicções de que o mundo seria bem melhor sem julgamentos e execuções primárias e em série de animais, e que mesmo esta nossa região do Ribatejo faria brilhar mais o seu nome se este não carregase o fardo de todos os crimes que as suas tradições já induziram os seus conterrâneos fervorosos a cometer.
Passa pouco mais de uma semana desde que regressei de um breve passeio, num muito confortável comboio que percorre o litoral português entre as duas grandes áreas urbanas portuguesas. Do Porto, esse comboio com facilidade me trouxe a Vila Franca de Xira, onde já o meu pai me esperava e à minha mãe para que viéssemos para aqui, para o nosso lar. Não exagero em larga medida se afirmo, o meu rosto bastante sério e o meu tom bastante sincero, que o grande turismo do planeta confluía, àquela hora, todo ele nessa cidade aqui tão próxima. E o motivo, oposto ao que eu desejava observar pela multidão tão vasta, era dos piores e dos mais lógicos numa cidade como aquela: festas tauromáquicas. Podia, segundo tantas possibilidades que afiguram a cada momento, haver encerrado os olhos para evitar o confronto com tamanha atrocidade e distinção entre a euforia do Homem e o sofrer aguçado e certo de tantos animais. Apesar dessa possibilidade que era a meu favor, preferi manter a minha visão na direcção das pessoas que se ajuntavam a aguardar as largadas, pensando muito cá dentro que "o mundo não tem melhorado, não tem melhorado."
Dias antes deste episódio, um dia antes da partida para esse breve passeio pelo Norte do país, eu mesmo olhei um touro e todo o espectáculo e polémica a que estes animais, sempre e sempre, dão origem onde quer que surjam. Não me refiro a bois daqueles que falei previamente. Refiro-me à postura de touro em que toda a imprensa e comunicação social gravou, em diversos suportes visuais, o antigo ministro da economia. A sua demissão revelar-se-ia um acontecimento na sequência directa deste incidente, sobre o qual reflecti mais do que muitos. A generalidade de pessoas considerou tal atrevimento uma outra demonstração da incorrecção e indisciplina dos ministros e deputados, como já houve tantas outras e as quais se parecem repetir sempre que o chão está por baixo de nós. Porém, o meu entendimento da questão aprofunda-se mais do que essas considerações que não condeno, e vai de encontro à opinião de um crítico, cujo nome desconheço, que fez públicas as suas palavras de que tal sucesso na Assembleia da República - o local onde se faz política em Portugal - demonstra apenas e tão simplesmente o pouquíssimo respeito que os políticos nutrem e expressam pela população do seu país.
Muito concretamente, as cadeiras daquela enorme sala não são, e por uma razão própria não o são, sequer semelhantes aos bancos em que nos sentamos nos jardins públicos ou aos sofás que dispomos nas salas das nossas habitações. Os primeiros são assentos que todos nós podemos usar, embora sempre para os mesmos fins, que são os de sentar, ou em alguns casos excepcionais poderão servir igualmente para deitar o corpo e descansar. Os segundos são pessoais e quase intransmissíveis, encontram-se na nossa casa, distante dos olhares gerais e de desconhecidos, adquiridos pelo poder quase infinito do dinheiro. Os assentos do parlamento são muito dissonantes destes: a autorização de neles se sentar é concedida pelo voto de confiança do eleitorado de quem neles se passa a ver sentado: nunca é demasiado recordar que os deputados não nasceram com o privilégio de discursar ou de gastar parte dos seus dias numa sala de tal maneira sumptuosa. Eles ganharam o seu trabalho nessa sala uma vez que Portugal, como um país não tão pequeno como tipicamente se diz, é ocupado por uma população muito superior à capacidade dessa sala, o que faz com que os políticos tenham de ser eleitos pelos cidadãos e passem a representar todos aqueles que votaram na sua cor política. É então óbvio que quando o ministro da economia (o antigo e felizmente antigo) ofendeu o nosso deputado do Partido Comunista, esse antigo ministro estava a sugerir que todos os comunistas portugueses têm aquele par de cornos. Se tivesse sugerido tal coisa ao deputado Bernardino Soares fora daquela sala de debates, então os comunistas portugueses nada teriam que ver com esse gesto ofensivo. Contudo, no momento em que os deputados entram naquele espaço público e de responsabilidade, despem a sua vida pessoal e vestem os anseios, as preocupações, as ideias e as vontades daqueles que, no seu país, estão de acordo com a ideologia defendida. É então por este forte motivo que apelo a todos os portugueses jovens e responsáveis a que ingressem na vida política, agora não apenas através do voto consciente, mas também através de propostas de representar com lealdade todos os portugueses que merecem maior respeito por parte daqueles que apenas são empregados porque nós votámos para que isso sucedesse, e que nas nossas costas tantas vezes atentam contra os nossos próprios empregos. Jovens, façam-se representar ou representem. Se algum bem aconteceu no mundo desde a sua criação, ele não se inventou a si próprio, antes foi concebido pela vontade e estímulo de quem acreditou na mudança.
Quanto aos políticos, lembrem-se bem do que vos digo de seguida (ainda que saiba que nenhum chegará a este blogue): as batalhas verbais com que atacam os deputados de cores partidárias diferentes são a representação de uma proposta de guerra civil à população portuguesa. No momento em que todos os portugueses se atacarem entre si com palavras cruéis como as que vocês usam nos vossos debates, então poderão usá-las. Se o país pretende a paz, está nas vossas mãos manter a paz no parlamento: ouvirem-se uns aos outros, responder a cada proposta e opinião como se houvesse amizade a ligar-vos, chegar a consensos que representem as vontades dos portugueses e que resolvam os problemas com que estes lidam diariamente, numa labuta que poucos ou nenhuns merecem conhecer.
Camarada Fratírio Telmo

11 julho, 2009

A Contradição do Hipócrita

-Não. O comunismo é terrível!
-E porque dizes isso? Admito algumas falhas. Não há nada perfeito, mas...
-O comunismo é mau para a religião! Diz que é o ópio da sociedade! E Deus e a verdade devem ser espalhados pelo mundo...
-Oh, não é bem assim...
-Claro que é. E o pior do comunismo é que é injusto!
-Injusto? Espera...isso não faz sent...
-Faz. No comunismo, os rendimentos repartem-se de igual maneira, por mais que as pessoas trabalhem! E uma pessoa que tem imenso, por mérito próprio, fica com um nível de vida igual a esses drogados que andam aí, e essa gente toda...
...
Não vale a pena continuar a conversa. Já leram o que basta para prosseguir.

E não estou aqui para defender o comunismo, nem a religião. Pelo menos por agora. Estou aqui para vos mostrar o ponto de vista de um católico capitalista, e pensem se por acaso faz sentido. Apenas preciso de mostrar com que argumentos este defende os seus credos religiosos e económicos, e afirma convictamente que o comunismo é a peste do mundo, e deve ser a todo o custo ser evitada.

Para que conste, a conversa acima é resultado de um conjunto de discussões com uns quantos jovens santos católicos, tão fiéis à palavra de Cristo, quanto Dalila foi a Sansão.

Atentemos. Um dos principais argumentos anti-comunismo, para os que batem no peito todas as missas, com humilde arrependimento, é o facto deste não ser propriamente um apoiante da religião. Está bem, até aqui percebo. Estão a defender os seus profundos ideais, e se o comunismo vai contra a sua política espiritual, então defendam-na que aceitamos. Neste caso, a religião é a cria, o crente é a mãe que a defende dos males externos. Aceitável.

Porém, quando este primeiro argumento se cruza com o segundo, surge a palavra contradição. ora, este segundo argumento anti-comunismo para um católico, que por ser segundo não o impede de ser o mais usado, tem que ver com as noções capitalistas tão em voga hoje em dia. Trabalho, mérito, sobe um degrau, mais trabalho e mais umas coisas pelo meio, mais dois degraus. E isto até lá acima. É o capitalismo, quem sou eu para discuti-lo. No entanto, um católico deveria discuti-lo. Um católico que tanto defende e cumpre a sua religião torna-se hipócrita quando defende que uns devem viver em cima, e os restantes em baixo destes. É hipócrita quando acusam o comunismo de defender a má da igualdade, quando o próprio Jesus Cristo a prega como não prega qualquer outra coisa.

Algures na Bíblia "Os que estão à frente ficaram atrás, e os que estão atrás ficarão à frente". Algo assim.

E imensos versículos sobre a igualdade, sobre a luta contra as riquezas e materialismo. Tantas palavras sagradas, e que supostamente seriam para cumprir pelos jovens católicos extremistas, sobre a importância de ajudar os outros, de repartir os rendimentos. Foi na Bíblia que nasceu a segurança social!
Basta procurarem que encontram.

Mas os católicos de hoje cospem nas palavras de Jesus, porque não lhes convém. Apenas lêem literalmente os que lhes apetece. Usam a importância da diferença entre X e Y para desacreditar o comunismo que ofende a religião, quando o comunismo está mais conforme o cristianismo que eles!

...

-O comunismo é mau para a religião. Meu rico catolicismo, minha querida Bíblia! E o comunismo é mau, porque defende a igualdade extrema.
-Mas a Bíblia defende a igualdade extrema! Os teus argumentos até podem ser verdadeiros, estar certos ou errados, mas tu não os podes usar em conjunto! E são
os únicos que usas.
-Ah mas todos têm de conhecer a verdade. Amen! E uns trabalham mais, logo têm de ter mais! O comunismo é mau.
-Não percebes mesmo, pois não? Ou defendes o cristianismo, ou defendes o capitalismo!
-Defendo os dois!
-Não me venhas dizer que o capitalismo é mais santo que o comunismo.
-Digo.
-Vai ler a Bíblia...
-Sei-a de cor.
-Se sabes, então aprecias a noção de igualdade e justiça SOCIAL...
-Não.
-Ok. Nunca vais aprender.
pessoa Ix