13 agosto, 2009

Matar o passado ou dar-lhe a mão

Esse tão insipente senhor da mais alta ambição política, de seu nome Santana Lopes, na actualidade um guerreiro empenhado na conquista e domínio eterno do lugar da presidência da nossa capital, prometeu-nos a todos já, no caso de vencer a tão aguardada eleição do poder local, esquecermos as esperanças trazidas ao longo dos anos e as quais víamos, nos tempos mais recentes, serem triunfadas para enorme alívio dos verdadeiros portugueses. Tudo em nome do problema central que o seu partido-cujo-nome-não-pode-pela-nossa-saúde-mental-ser-pronunciado tem tantas vezes evocado: o défice das contas públicas. Não me refiro ao geral das suas promessas absurdas e indignas de uma cidade como Lisboa, dona e senhora de uma imensidão de qualidades precisas e de problemas exactos que todos reconhecemos; refiro-me antes, e muito em particular, à questão sempre debatida da requalificação urbana.

A ninguém surpreende já a frustração dos bairros mais antigos da cidade de Lisboa: para a sentir e cheirar basta somente caminhar pelas ruas que herdámos da História. Evidentemente que, dependendo de cada sujeito individual, novas prioridades se sugerem: o caso muda de figura ao entendermos, muito facilmente, que uma personalidade da política não deve ser tomada por uma pessoa cujas convicções apresentam a mesma importância do que as das outras pessoas, pelo simples facto de que os políticos se sujeitam, no exercício das suas funções, a uma responsabilidade de que a generalidade das pessoas não sofre: aquele que vier a ser eleito presidente da autarquia lisboeta, imporá as suas ideias às pessoas que vivem na cidade, àquelas que usufruem da cidade e, importa nunca esquecer, à própria cidade, ao seu património e aos seus destinos. O centro da cidade de Lisboa morre a cada dia, morrendo consigo muito daquilo que é mais nosso. E, ao passo que Lisboa aumenta as funções em torno da segunda circular, ou em lugares dotados das mais modernas infraestruturas, como Benfica ou o Parque das Nações, a alma de Lisboa perde-se pela foz do Tejo, e aqueles que usam a cidade de Lisboa, usam-na hoje, em muitas das vezes, como qualquer europeu ou ocidental usa as suas cidades, e não tanto como um lisboeta usaria a Lisboa que é positivamente Lisboa.

É sabido que o Mundo se conduz com destino à homogeneidade sempre mais evidente: cada país se assemelha cada vez mais aos outros, partilhando ideias, culturas, línguas, instituições, moedas, e muito mais. E nesta cunjuntura, que considero alarmante em larga medida, as dissemelhanças que se mantêm entre os países continuam e continuarão a ser, e cada vez mais somente, as características do seu passado - o seu património e as suas tradições. O testemunho de que Lisboa é uma cidade portuguesa e a capital desse grande país é, e não pode ser outro, o ambiente dos bairros que Santana Lopes pretende arruinar. Por aqui se depreende, como encaixando peças de um enorme puzzle de complicações e dissimulações, o objectivo central das políticas e projectos daquele terrível partido (que deveria ser partido, do verbo partir): aproximar Portugal do mundo e da Europa com o auxílio das liberdades e vontades do liberalismo económico, fazendo dos portugueses meros cidadãos do mundo, os quais não devem ver em Portugal mais do que uma parte de um todo Mundo, igual a todas as outras ou ainda menor: menor porque se impõe erradicar-lhe as características que a tornam única.

Nesta questão está patente uma relevante marca cultural, pouco perceptível a muitos dos que leiam este texto - razão pela qual passo a descrevê-la. Necessitamos, para compreender esta marca cultural, de confrontar dois grupos de países: em primeiro lugar, reunimos Estados Unidos, Canadá, Escandinávia e Reino Unido, entre outros que agora pouco importam; em segundo lugar, reunimos os países do Sul da Europa (nos quais incluiremos o nosso) e os países ex-comunistas da Europa de Leste. O que, no que a este tema é remetido, distingue este dois grupos de países é o empenho da sua população na preservação do seu património histórico. Vejamos dois exemplos muito concretos: o centro da cidade de Nova Iorque (Manhattan) é onde predominam as construções mas modernas e altas de toda a cidade; em oposição, o centro de Lisboa é aquela zona da cidade ond se verificam construções mais antigas e com menos pisos, constrastando com zonas mais modernas e mais periféricas, como o Parque das Nações, Portela ou Telheiras. Concluímos assim que o primeiro grupo de países sempre deu prioridade à modernidade, condenando o património histórico: a cidade de Londres, que muitas vezes apelido de capital da Europa, é marcada pela persistência de monumentos históricos, palácios ou igrejas antigas, rodeadas de bairros modernos completamente equipados com tudo aquilo que a vida de hoje exige: os bairros históricos que encontramos em Portugal, Espanha, Itália e Europa de Leste, e até mesmo em França, não encontramos, porém, numa cidade tão ocidentalizada e americanizada como Londres. O Sul da Europa tende a preservar as zonas históricas intactas, mantendo todas as construções, no seu exterior, conforme elas foram edificadas. O Norte da Europa aceita a constante revitalização do centro das cidades através da substituição de construções mais antigas pelas construções mais modernas, conservando apenas os grandes espaços históricos de grande valor individual, como palácios, estátuas e edifícios religiosos. Ao lado deste texto coloco uma imagem da grande estação central de Nova Iorque, um testemunho de outros tempos, rodeada pelos mais modernos prédios. Anexo também uma imagem de um bairro histórico lisboeta onde verificamos a realidade contrária. Reforço então o que anteriorente afirmei: o intuito do horrível partido social democrata (que não é hoje social-democrata, mas sim liberalista) é aproximar Portugal dos Estados Unidos, mitigando aquilo que nos liga ao que sempre fomos com imenso orgulho. Se a sorte nos for avessa, em breve veremos irromper pelas alturas de Alfama uma grande torre de escritórios, com dezenas de pisos de estacionamento automóvel por baixo do solo, assim como as suas ruas, que sobreviveram ao terramoto de 1755, serão alargadas para o livre trânsito na cidade, destruindo todas as construções seculares que por nós são adoradas. E em breve, então, encontraremos um Rossio ladeado de edifícios de vidro, sendo que no centro se manterá sempre a estátua de um rei sobre uma enorme coluna, no futuro observando aquela cidade que já não consegue reconhecer.

A decisão de Lisboa permanecer, ao longos dos séculos, uma jóia intocada onde se reflecte o passado cabe aos lisboetas. Não deixem Lisboa desviar-se do seu caminho.
Camarada Fratírio Telmo

2 comentários:

  1. Lindo! Palavras inspiradas!

    Acabem com a americanização e os prédios de vidro!

    Alfama não pode morrer! Lisboa não pode morrer! Portugal merece uma modernidade inteligente, não destruidora do nosso e belo!

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